quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Estórias dos sertanejos - Wagner Leal Guimarães



No sertão há certas estórias
Difíceis de acreditar
Mas tem umas verdadeiras
E uma delas vai contar
De como sofreu Zaroio
Um cantador de aboio
Do sertão do Ceará.



Zaroio bicho feioso
De grande, só a cintura
Com  as duas pernas tortas
Um e sessenta de altura
Tendo  olhos verdeados
Pena que eram trocados
Imagine que figura!



Mas a fama de Zaroio
Não era cantador, não senhor
Era “cabra” desenrolado
Daquele conversador
E passou toda sua vida
Correndo atrás de comida
Feito um bicho roedor.



Onde tinha comes e bebes
Nem  precisava chamar
Sendo ele o cantador
Ele ia  sem convidar
Mas queria era só ver
Se achava o que comer
E a desculpa era cantar 
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Quando  avistava os colegas
Usava de sutileza
Vinha logo se encostando
Ia  pedindo uma cerveja
E ao mesmo tempo já vendo
O que se estavam comendo
De tira gosto na mesa



Como os amigos sabiam
O  que Zaroio  queria  lá
Para não ter prejuízo
Deixavam  ele aboiar
Pois enquanto ele cantava
A comida que sobrava
Tinha como beliscar.



Zaroio não se importava
Tudo que via comia
E se não lhe oferecesse
Sem ter vergonha  pedia
E por isso era falado
Ser o mais “acanalhado”
Dessa nossa freguesia



Ele   tinha uns parentes
Que conheciam sua fama
Que   combinaram  certo dia
Para um final de semana
Convidá-lo só pra ver
O que aguentava comer
Lá na fazenda Santana



Chegada à ocasião
Logo que  amanheceu
Zaroio foi ao passeio
Na casa deste tio seu
Mas de tanto ele comer
Agora vou lhes dizer
O que foi que sucedeu
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Zaroio, que era bruto
Pra onde ia era a pé
Neste dia saiu cedo
Nem sequer tomou café
E assim que chegou lá
Comeu logo mungunzá
E pão com  “sarapaté”



Sua tia perguntou
Se ele queria coalhada?
Zaroio de olhos grande
Comeu, num deixou nada
E enquanto conversava
Vez em quando perguntava
Se o almoço era  buchada.



Na mesa tinha umbuzada
Doce de leite e biju
Uma garrafa de café
Um suquinho de caju
E falaram ao seu ouvido
Que a tia tinha cozido
Um preá e um tatu.



De tudo comeu um pouco
E botou para aboiar
Foi  tomando uma cachaça
Para os nervos calibrar
Conversa vai, conversa vem
Come um pouco de xerém
E espera pra almoçar.



Já passava de meio dia
Todo mundo biritado
A  tia trouxe  o pirão
Com a buchada ao lado
E arrodeando a mesa
Eu lhes digo com firmeza
“Eita” povo “amundiçado”
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Zaroio  pediu licença
Pra puxar a oração
Agradecendo o convite
Para  Deus pediu perdão
Mas antes de se benzer
Já começou a comer
Quilo meio de pirão.



Botou arroz e verdura
Misturado na salada
Pediu a tia um  limão
Para espremer na buchada
Comeu tudo,  e repetiu
E da mesa só saiu
Quando não sobrou mais nada.



Mas de  tanto ele comer
Com  trabalho levantou
Começou a se mexer
Três arrotos liberou
Foi chegando à sobremesa
Uma torta de cereja
Mesmo cheio, não recusou.



Goiabada e bananada
Também quis experimentar
Um pudim, e a geleia
Ele   comeu devagar
E por fim saiu o bolo
E se lhe servir  de consolo
Tomou  Fanta e guaraná



E a  tarde foi o churrasco
Que a festa completou
Zaroio desconfiado
Comeu muito nem ligou
Não Imaginava a furada
Mas aquela misturada
Do bendito  se vingou.
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No churrasco tinha linguiça
E um queijinho bem assado
Farinha de rosca, cebola
Pra fazer o misturado
Tinha até batata frita
E a cachaça bendita
Servida aos convidados



Como já diz o ditado
Que olho grande em comida
Pra quem não tiver cuidado
Quem paga o pato é a barriga
Logo  quem come de mais
O castigo que lhes traz
É a revolta das lombrigas



No finalzinho da tarde
Começou suando frio
Deu-lhe uma gemedeira
Seguido de calafrio
E  ouvindo uns camaradas
Que contavam umas piadas
Nem sequer ele sorriu



Escutou então um grito
Zaroio vem pra cá?
Assei um “toicim” de “poico”
E um pedaço de jabá
Que, quando ele espiou
Logo se agoniou
Começou se arrepiar



Uma  casa com tanta gente
Mas somente um banheiro
E Zaroio desconfiado
Pensando no desespero
Pois  se carecesse  usar
Teria que esperar
Pra fazer o desmantelo.
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E não é que previsão
Daquele pobre mortal
Logo se realizara
Começava a passar mal
Agora não tinha jeito
O mingau já “tava” feito
Tudo aquilo era real.



Que Zaroio estava mal
Todo mundo percebeu
Pois já era previsto
De tanto que ele comeu
Pois onde quer que ele ande
É sempre de olho grande
Esse é o único vício seu



Depois dessa comedeira
Só podia passar mal
Foi voltando os arrepios
Uns calafrios sem igual
Suava feito uma caldeira
Pressentiu uma caganeira
E correu para o quintal.



Zaroio desconfiado
Quando as tripas barulhava
Saía de canto a outro
Via alguém e disfarçava
Só pensava num banheiro
Pois comeu o dia inteiro
Tanta dor não aguentava



Então  correu ao  banheiro
Mas Já tinha alguém usando
E zaroio arrepiado
Já estava se cagando
Foi pra perto cisterna
Conseguiu cruzar as pernas
E ficou se segurando
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Mexia-se pra todo lado
Ia para frente e pra trás
Passava a mão na barriga
Pois a dor era demais
Os segundos eram eternos
Pensou “tá” no inverno
O coitado do rapaz.



Até que aporta se abriu
Liberando  o banheiro
Zaroio partiu carreira
Pense num “cabra” ligeiro
E mal descia a calça
E toda aquela desgraça
Lhe melou foi por inteiro.



No momento nem ligou
Ficou bem aliviado
Mas ai saiu um peido
Daquele bem arrochado
Que a beira do fê-o-fó
Queimava que dava dó
Maltratando o condenado



Uma sequência de cólica
De repente ele sentiu
Viu estrelas nessa hora
Tanta dor nunca se viu
Começou até rezar
Se  esquecendo o que falar
Por causa dos arrepios.



E o  pior “tava” por vir
Não tinha nem um papel
Ele pensou “tô” lascado
Pra limpar meu anel
Num ato de desespero
Foi direto ao chuveiro
Pedindo ajuda ao céu
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Começou cair uns pingos
E  Zaroio se animou
Foi tentando  se lavar
Mas a coisa piorou
A água que foi saindo
Logo foi diminuindo
Nessa hora ele chorou



E agora o que fazer?
Pra sair daquele apuro
O dia já terminava
Estava ficando escuro
O povo fora dizia
Que fedor, ave maria
O negocio ali é duro



Zaroio  pensou num plano
Para poder escapar
Limpou-se com a ceroula
O que deu para enxergar
Abriu a porta ligeiro
Correndo para o terreiro
Não sei onde foi parar



Dizem que virou atleta
Um corredor de fogueira
Depois daquela desgraça
Não come qualquer besteira
Zaroio perdeu a fama
A da fazenda Santana
Só se lembra da carreira.



Se  você é comedor
Do jeito que era Zaroio
Siga ele como exemplo
E deixe  as barbas de “moio”
Para você não sofrer
E alguém ir escrever
Sua estória sem aboio
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De Zaroio vem a lição
Que se pode acreditar
Conhecendo alguém assim
Essa história vá contar
Para ver se o vivente
Toma jeito de repente
E não coma sem precisar.
09
































  


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