No sertão há certas estórias
Difíceis de acreditar
Mas tem umas verdadeiras
E uma delas vai contar
De como sofreu Zaroio
Um cantador de aboio
Do sertão do Ceará.
Zaroio bicho feioso
De grande, só a cintura
Com as duas
pernas tortas
Um e sessenta de altura
Tendo olhos
verdeados
Pena que eram trocados
Imagine que figura!
Mas a fama de Zaroio
Não era cantador, não senhor
Era “cabra” desenrolado
Daquele conversador
E passou toda sua vida
Correndo atrás de comida
Feito um bicho roedor.
Onde tinha comes e bebes
Nem precisava
chamar
Sendo ele o cantador
Ele ia sem
convidar
Mas queria era só ver
Se achava o que comer
E a desculpa era cantar
01
Quando avistava
os colegas
Usava de sutileza
Vinha logo se encostando
Ia pedindo uma
cerveja
E ao mesmo tempo já vendo
O que se estavam comendo
De tira gosto na mesa
Como os amigos sabiam
O que Zaroio queria
lá
Para não ter prejuízo
Deixavam ele
aboiar
Pois enquanto ele cantava
A comida que sobrava
Tinha como beliscar.
Zaroio não se importava
Tudo que via comia
E se não lhe oferecesse
Sem ter vergonha
pedia
E por isso era falado
Ser o mais “acanalhado”
Dessa nossa freguesia
Ele tinha uns
parentes
Que conheciam sua fama
Que combinaram
certo dia
Para um final de semana
Convidá-lo só pra ver
O que aguentava comer
Lá na fazenda Santana
Chegada à ocasião
Logo que amanheceu
Zaroio foi ao passeio
Na casa deste tio seu
Mas de tanto ele comer
Agora vou lhes dizer
O que foi que sucedeu
02
Zaroio, que era bruto
Pra onde ia era a pé
Neste dia saiu cedo
Nem sequer tomou café
E assim que chegou lá
Comeu logo mungunzá
E pão com “sarapaté”
Sua tia perguntou
Se ele queria coalhada?
Zaroio de olhos grande
Comeu, num deixou nada
E enquanto conversava
Vez em quando perguntava
Se o almoço era
buchada.
Na mesa tinha umbuzada
Doce de leite e biju
Uma garrafa de café
Um suquinho de caju
E falaram ao seu ouvido
Que a tia tinha cozido
Um preá e um tatu.
De tudo comeu um pouco
E botou para aboiar
Foi tomando uma
cachaça
Para os nervos calibrar
Conversa vai, conversa vem
Come um pouco de xerém
E espera pra almoçar.
Já passava de meio dia
Todo mundo biritado
A tia trouxe o pirão
Com a buchada ao lado
E arrodeando a mesa
Eu lhes digo com firmeza
“Eita” povo “amundiçado”
03
Zaroio pediu
licença
Pra puxar a oração
Agradecendo o convite
Para Deus pediu
perdão
Mas antes de se benzer
Já começou a comer
Quilo meio de pirão.
Botou arroz e verdura
Misturado na salada
Pediu a tia um
limão
Para espremer na buchada
Comeu tudo, e
repetiu
E da mesa só saiu
Quando não sobrou mais nada.
Mas de tanto
ele comer
Com trabalho
levantou
Começou a se mexer
Três arrotos liberou
Foi chegando à sobremesa
Uma torta de cereja
Mesmo cheio, não recusou.
Goiabada e bananada
Também quis experimentar
Um pudim, e a geleia
Ele comeu
devagar
E por fim saiu o bolo
Tomou Fanta e
guaraná
E a tarde foi o
churrasco
Que a festa completou
Zaroio desconfiado
Comeu muito nem ligou
Não Imaginava a furada
Mas aquela misturada
Do bendito se
vingou.
04
No churrasco tinha linguiça
E um queijinho bem assado
Farinha de rosca, cebola
Pra fazer o misturado
Tinha até batata frita
E a cachaça bendita
Servida aos convidados
Como já diz o ditado
Que olho grande em comida
Pra quem não tiver cuidado
Quem paga o pato é a barriga
Logo quem come
de mais
O castigo que lhes traz
É a revolta das lombrigas
No finalzinho da tarde
Começou suando frio
Deu-lhe uma gemedeira
Seguido de calafrio
E ouvindo uns
camaradas
Que contavam umas piadas
Nem sequer ele sorriu
Escutou então um grito
Zaroio vem pra cá?
Assei um “toicim” de “poico”
E um pedaço de jabá
Que, quando ele espiou
Logo se agoniou
Começou se arrepiar
Uma casa com
tanta gente
Mas somente um banheiro
E Zaroio desconfiado
Pensando no desespero
Pois se
carecesse usar
Teria que esperar
Pra fazer o desmantelo.
05
E não é que previsão
Daquele pobre mortal
Logo se realizara
Começava a passar mal
Agora não tinha jeito
O mingau já “tava” feito
Tudo aquilo era real.
Que Zaroio estava mal
Todo mundo percebeu
Pois já era previsto
De tanto que ele comeu
Pois onde quer que ele ande
É sempre de olho grande
Esse é o único vício seu
Depois dessa comedeira
Só podia passar mal
Foi voltando os arrepios
Uns calafrios sem igual
Suava feito uma caldeira
Pressentiu uma caganeira
E correu para o quintal.
Zaroio desconfiado
Quando as tripas barulhava
Saía de canto a outro
Via alguém e disfarçava
Só pensava num banheiro
Pois comeu o dia inteiro
Tanta dor não aguentava
Então correu ao banheiro
Mas Já tinha alguém usando
E zaroio arrepiado
Já estava se cagando
Foi pra perto cisterna
Conseguiu cruzar as pernas
E ficou se segurando
06
Mexia-se pra todo lado
Ia para frente e pra trás
Passava a mão na barriga
Pois a dor era demais
Os segundos eram eternos
Pensou “tá” no inverno
O coitado do rapaz.
Até que aporta se abriu
Liberando o
banheiro
Zaroio partiu carreira
Pense num “cabra” ligeiro
E mal descia a calça
E toda aquela desgraça
Lhe melou foi por inteiro.
No momento nem ligou
Ficou bem aliviado
Mas ai saiu um peido
Daquele bem arrochado
Que a beira do fê-o-fó
Queimava que dava dó
Maltratando o condenado
Uma sequência de cólica
De repente ele sentiu
Viu estrelas nessa hora
Tanta dor nunca se viu
Começou até rezar
Se esquecendo o
que falar
Por causa dos arrepios.
E o pior “tava”
por vir
Não tinha nem um papel
Ele pensou “tô” lascado
Pra limpar meu anel
Num ato de desespero
Foi direto ao chuveiro
Pedindo ajuda ao céu
07
Começou cair uns pingos
E Zaroio se
animou
Foi tentando se
lavar
Mas a coisa piorou
A água que foi saindo
Logo foi diminuindo
Nessa hora ele chorou
E agora o que fazer?
Pra sair daquele apuro
O dia já terminava
Estava ficando escuro
O povo fora dizia
Que fedor, ave maria
O negocio ali é duro
Zaroio pensou
num plano
Para poder escapar
Limpou-se com a ceroula
O que deu para enxergar
Abriu a porta ligeiro
Correndo para o terreiro
Não sei onde foi parar
Dizem que virou atleta
Um corredor de fogueira
Depois daquela desgraça
Não come qualquer besteira
Zaroio perdeu a fama
A da fazenda Santana
Só se lembra da carreira.
Se você é
comedor
Do jeito que era Zaroio
Siga ele como exemplo
E deixe as
barbas de “moio”
Para você não sofrer
E alguém ir escrever
Sua estória sem aboio
08
De Zaroio vem a lição
Que se pode acreditar
Conhecendo alguém assim
Essa história vá contar
Para ver se o vivente
Toma jeito de repente
E não coma sem precisar.
09
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