segunda-feira, 16 de junho de 2014

O ÚLTIMO QUARTO - Jacqueline Torres




Sou a mesma que fui
Porém o amor em mim
muito mais de amor
muito mais incrustados amor, véu
auroras e infinitos
Muito mais silêncio sou
do objeto amado
Sou a mesma que fui
Só os meus olhos anoiteceram mais
       que o inverno oceânico
que as vazantes do mar
Guardo em gavetas velhas
em sacos escuros,
em fundos de jarros
atrás das touceiras do jardim
atrás das sombras leves
quando suspiram as bromélias
minhas paixões de ti
Não há forma
Não há tese que a justifique
nem luz alguma que a roube
Só uma perturbação no meio da noite
Como o latejar de uma unha chagada
uma insônia que deixa aberto
       os perfumes dos jasmins
Sou a que fui e mais de um pouco
       que nem sei
Desdobra-se o culto perpétuo e
       incomensurável dos teus olhos
cai nos versos, cai na prosa,
na areia, no gemido e na distância
em que as estrelas choram
nas minhas confidências mudas
Não está pautada minha nota
da canção de ti
não está expressa no estio do peito
no tom marinho dos grilhões
na epiderme da folha...
Guardei na envelope azulada
vencida de suspiros
todo o amor tolo e ascético
Toda a minha descorada alegria e
a que fui e que ocupa hoje o último quarto
Que só eu visito.








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