sábado, 1 de agosto de 2015

LINHA DE CHEGADA - João Bosco dos Santos


Parei, olhei pra traz e percebi que tinha conquista o objetivo. Quarenta e dois quilômetros de corrida parecia impossível, mas cheguei ao final. O tempo gasto não importa, recorde não foi quebrado, mas meu ego foi valorizado.
Dez anos antes deste evento eu estava em um bar com amigos, comemorávamos meus vinte e um aninhos. Bebemos muito naquela noite, eu estava de moto e feliz por estar com os colegas de trabalho e faculdade. Mas minha felicidade mesmo era porque naquele dia eu havia noivado, marcado o casamento para seis meses depois. Já havia planos de correr a maratona do Rio nos próximos dois anos, treinava três vezes por semana e já estava organizando a galera pra torcer.
Uísque, cervejas e direção juntos já eram prenuncio de tragédia, a cada hora eu já ficava mais bêbado e não conseguia mais ficar de pé, sentei, cochilei dez minutos apenas, consegui enxergar a saída, montei na moto. Dai pra frente lembro apenas que acordei num hospital, a perna esquerda cheia de ferro, não consegui sentir os dedos. Alguém falou:
- Ele acordou. Rapaz, você nasceu de novo, que loucura foi essa, irresponsável.
Era meu pai, percebi entre sua bronca o tom de alivio, imediatamente ele me abraçou e falou que eu deveria ser forte.
- A pancada foi violenta, mas você está vivo, isso é o que importa.
- Que pancada? O que estou fazendo aqui.
- Você tá dizendo que não lembra?
Engrossou a voz:
- Você enche a cara, bate num poste, mata um cachorro e não lembra nada. Sua situação não é boa, o dono do cachorro já acionou a justiça, era de estimação, você vai ter que indenizá-lo, e não sabemos se vai voltar a anda.
- Hã? Voltar a andar?
Silêncio. Mais silêncio. Lágrimas, mais lágrimas. 
Foram três dias desacordado, o capacete ficou dividido em três, a moto já não prestava pra nada. Ainda bem que eu estava sozinho. Os médicos disseram que eu voltaria a andar depois de muita fisioterapia, perdi setenta por cento dos movimentos da perna esquerda e vinte da direita. Meu sonho da maratona. Minha noiva será que vai querer casar agora?
Ela quis, casamos. E ela foi quem mais apoiou meu sonho da maratona.
- Vamos treinar, você vai correr a maratona do Rio, talvez daqui a mais de dois anos, mas vai correr!
A confiança dela era meu alimento. Agora correr como? As dores da fisioterapia eram um balde de água gelada em meu sonho atlético. Ir ao banheiro a cinco metros de distância era uma tortura, gastava sete ou oito minutos. E quarenta quilômetros?
Ainda assim ela me apoiava, nasceu um filho, depois outro, e mais outro e mais não, afinal, três já é muito. Consegui mais agilidade pra caminhar, correr de forma moderada.
Dez anos depois, recebo pelos correios um envelope com o número mil trezentos e dezesseis, era o número para ser colocado na camiseta. Minha esposa fez nossas inscrições pra maratona.
- Vamos treinar, vamos conquistar o Rio querido.
- Tá louca mulher, correr nestas condições, na cadeira de rodas não tenho pratica, você tá doida.
Ela riu muito. A meta era correr dez quilômetros. Mas já era muito. Embarcamos, eu, a mulher e as crianças. 
Chega o dia da maratona, larguei em último lugar para não atrapalhar os demais.
Largamos.
Quinhentos metros, um quilometro, dois três, cinco, dez, doze, dezoito... quarenta e dois.
Catorze horas depois, só eu, minha esposa e um batedor da PM que vendo meu esforço conseguiu liberação para me acompanhar até o fim. Cruzei a linha de chegada, sem troféu porem vitorioso. Campeão.
O queniano que venceu não teve o mesmo destaque que eu, por uma semana jornais do mundo inteiro contaram esta história de superação e amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário